4 de outubro de 2011

O valor da aula


Quando eu fazia o curso de graduação alguns estudantes inventaram um modo próprio de avaliarmos as aulas de que participávamos. O tom espirituoso do “instrumento de avaliação” dizia-nos que, durante o nosso curso, depararíamos com aulas “verdes, azuis e marrons”.
As chamadas “aulas verdes” funcionavam como um bom passaporte para o trato de informações objetivas que nos levava ao conhecimento subjetivo.

Todos nós as entendíamos. Porém, o potencial formativo desse tipo de aula era tal que fazia mais por nós, uma vez que nos possibilitava transformar o conhecimento apreendido em nossa subjetividade em saber qualificador da intersubjetividade. O que antes era pura informação no suporte material transformava-se em conhecimento no nosso mundo interno, na nossa mente, para, em seguida (ou concomitantemente), ser mobilizado em nossa ação no mundo, de maneira a ser aplicado significativamente nos processos que desenvolvíamos na vida pessoal, profissional e social.


Aulas verdes produziam saber, e isso era tudo o que alguns de nós mais desejávamos.Aquelas que chamávamos “aulas azuis” dificultavam sobremaneira a nossa vida. Só o professor (ou professora) entendia essa modalidade de aula. Nós, os alunos, ficávamos a “ver navios”.

Tínhamos mesmo a sensação de que não era apenas a aula que se fazia inalcançável pela nossa compreensão, mas a disciplina da qual ela era parte também fugia (com sua estrutura e sentido) das possibilidades transmissivas do professor. A aula era truncada em sua estrutura interna porque não se articulava, logicamente falando, com os demais elementos que compunham a disciplina.

A disciplina, por sua vez, também não manifestava clareza quanto à sua razão de ser no curso em que era desenvolvida. Resultado: todo o projeto político-pedagógico formativo ficava a desejar na parte relacionada às tais aulas azuis. O professor não entendia que o ato de fazer com que superássemos nosso “não saber” constituía no seu desafio elementar em sala de aula, razão pela qual a disciplina dele não passava de uma obriga toriedade sem sentido. Só para ele a aula dizia alguma coisa. Quanto a nós, ela apenas nos conformava em nossa ignorância, em nosso “não saber”.

Finalmente, tínhamos as “aulas marrons”, as quais, além de carregar tudo o que “qualificava” as “aulas azuis”, faziam-se muito mais complicadas: nem o professor nem os alunos entendíamos a mensagem daquelas aulas. Calamidade total! O professor não tinha claro para si que o magistério de nossos dias requer, além de domínio teórico, metodológico e ético, a capacidade comunicacional elementar para que a transposição didática se efetivasse a contento. O fracasso na comunicação colocava em risco a relação pedagógica, essa que se justifica quando o “ignorar” de alguns é colocado ante o domínio disciplinar e epistêmico de um professor, de uma professora. Essas aulas faziam-nos perder tempo, um bem realmente precioso para quem cursa a educação formal.

Hoje, quando alguns de nós nos encontramos nas “esquinas da vida”, ainda comentamos sobre aquele nosso modo de avaliar as aulas de nosso curso. Noto em todos o desejo de que nossa educação só irá realmente “entrar nos eixos” quando o verde da esperança, da educabilidade e do entendimento compartilhado ousar adentrar nossas escolas. Oxalá, esse acontecimento não demore e possa ser verificado por todos quantos fazemos e sofremos a educação escolar. Em se tratando de aula, podemos arriscar a dizer que “sem comunicação não há educação”. O valor de uma aula reside em seu grau de compreensibilidade.

Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.



Um comentário:

Angela disse...

Ótima postagem!
Abraços